O SONHO QUE VIROU FARDO No coração da cidade de Pemba, província de Cabo Delgado, um projecto que prometia revolucionar a mobilidade urbana ...
No coração da cidade de Pemba, província de Cabo Delgado, um projecto que prometia revolucionar a mobilidade urbana transformou-se num símbolo de desilusão, frustração e desconfiança institucional. Com 455 milhões de meticais investidos, a construção da estrada de 4.600 metros entre a zona da ANE e o bairro Chuiba, baptizada com o nome do então presidente Filipe Jacinto Nyusi, tornou-se uma ferida aberta para os munícipes. Dois anos depois do lançamento oficial, o que se vê no terreno são crateras, poeira e promessas não cumpridas.
1. O projecto promissor que nunca saiu do papel
Lançado oficialmente em julho de 2023, com pompa e circunstância, o projecto da Estrada ANE – Chuiba parecia ser um marco no desenvolvimento urbano de Pemba. A parceria entre o Município e o Instituto Nacional de Petróleo (INP) gerou esperanças legítimas. Afinal, tratava-se de uma das poucas obras públicas financiadas directamente por uma instituição de peso e destinada a homenagear o então presidente da República.
No entanto, dados verificados pela nossa equipa indicam que as obras já tinham sido anunciadas em 2021, durante o mandato do edil Tagir Assimo Carimo, passando posteriormente pelas administrações de Florete Simba Motarua e, actualmente, Satar Abdulgani — sem que nenhuma dessas lideranças tivesse conseguido concluir o troço.
2. Apenas 720 metros asfaltados em dois anos: onde está o resto do dinheiro?
Dos 4.600 metros previstos, apenas cerca de 720 metros foram asfaltados até hoje. Isso representa míseros 15% de execução física da obra em dois anos. Quando confrontado, o actual edil, Satar Abdulgani, confessou que, desde a sua chegada, apenas 220 metros foram efectivamente realizados sob sua administração.
A ausência de transparência financeira levanta sérias dúvidas. Para onde foram os 455 milhões de meticais? Por que não há relatórios públicos detalhados sobre o uso destes fundos? Nenhuma das entidades envolvidas — Município, INP, Utheka Construções Lda ou IDTO Partner Consultoria — apresentou, até agora, uma prestação de contas satisfatória.
3. Um nome presidencial numa estrada fantasma
Ao nomear a via como Avenida Filipe Jacinto Nyusi, as autoridades pretendiam eternizar o legado do então presidente. Contudo, o efeito foi o oposto: a avenida tornou-se uma lembrança viva da incapacidade institucional em cumprir promessas básicas de infraestrutura.
“É uma vergonha nacional. É um insulto ao nome do presidente dar o seu nome a uma estrada que nunca foi concluída”, afirma Ernesto Maússe, professor universitário e analista político residente em Pemba.
4. Conflito iminente: casas marcadas para demolir sem compensação
A nossa equipa confirmou que dezenas de casas, barracas e até um prédio de três andares foram marcados com X ao longo do trajecto da estrada. A justificação é que estas construções invadem a faixa da via. No entanto, os proprietários não receberam qualquer tipo de compensação ou aviso formal com prazos.
“A minha família vive aqui há mais de 15 anos. Agora querem que saiamos sem nada? E a estrada nem começou direito!”, diz Helena Zacarias, moradora da zona dos Quatro Caminhos.
5. Discurso político perigoso e promessas em vão
Numa rara demonstração de franqueza política, o edil Satar Abdulgani afirmou em Março de 2025:
“Se não conseguirmos concluir aquela estrada ANE-Chuiba, eu, em nome pessoal, vou me considerar um falhado na governação e não vou me recandidatar.”
No entanto, até agora não houve progresso significativo — e nenhum novo cronograma foi apresentado. Esta promessa, embora ousada, expôs a fragilidade de um sistema onde a pressão popular já não basta para garantir responsabilização.
Conclusão: A estrada de Filipe Nyusi é a metáfora da governação local
A saga da estrada ANE-Chuiba transcende os buracos e o asfalto inacabado. Ela reflete uma crise mais profunda de planeamento, gestão e prestação de contas na governação local. Com milhões de meticais em jogo, populações afectadas e promessas políticas por cumprir, fica a pergunta: quem será responsabilizado?
Até lá, a poeira continuará a subir em Pemba — e o povo a caminhar sobre promessas vazias. (CIP)
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